Brasília, 29 de maio de 2023 - Na noite de quarta-feira (24/05), o Projeto de Lei 490/07, que propõe a transformação da tese do marco temporal em lei, teve seu requerimento de urgência aprovado pela Câmara dos Deputados. A tese do marco temporal estabelece que os povos indígenas somente teriam direito à demarcação de terras se estivessem em posse delas até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Além disso, a Comissão Mista, composta por deputados e senadores, também aprovou o texto da Medida Provisória 1154, a qual retira a competência da demarcação de terras indígenas do Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
Com essas aprovações, a MP, que ainda será votada no plenário da Câmara dos Deputados e no Senado, transfere a responsabilidade das demarcações dos territórios ancestrais de volta para o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Por sua vez, o PL 490 seguirá para votação na Câmara já na próxima sessão, marcada para o dia 30 de maio. Lideranças da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirmam que o PL e a MP representam um retrocesso nos direitos dos povos indígenas e na preservação dos biomas brasileiros.
"Demonstramos nossa indignação diante do que ocorreu na quarta-feira. Com o PL 490 e a Medida Provisória, o Congresso Nacional está buscando inviabilizar as demarcações de terras indígenas. Isso representa um grande retrocesso nos direitos dos povos originários e na preservação do meio ambiente, considerando que somos nós os verdadeiros guardiões dos biomas brasileiros", declarou Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
Tuxá e outras lideranças indígenas estiveram presentes na Câmara dos Deputados para acompanhar a sessão da comissão mista, mas foram impedidos pelos participantes da discussão sobre a MP 1154.
Um estudo publicado pela Organização Mapbiomas Brasil revela que, ao longo de 30 anos, as terras indígenas perderam apenas 1% de sua vegetação nativa, em grande parte devido à invasão desses territórios por grileiros, madeireiros, garimpeiros e mineradores. Em contraste, as áreas privadas tiveram uma perda de 20,6% da vegetação nativa. Dados das Nações Unidas (ONU) também apontam que os territórios tradicionais indígenas cobrem 28% da superfície terrestre mundial, abrigando 80% da biodiversidade do planeta.
Kleber Karipuna, também coordenador da Apib, ressalta que a corrida para aprovar essas medidas no Congresso é uma retaliação à retom
ada do julgamento do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF), agendado para o dia 7 de junho. "Essas medidas e o julgamento no STF podem definir o futuro dos povos indígenas no Brasil. A falta de demarcação de terras indígenas, um direito previsto na Constituição Federal, coloca em risco a vida de nossos parentes. É uma legalização das violações ocorridas no passado e incentiva o extermínio dos povos originários", alertou Karipuna.
A Apib, por meio de uma nota técnica (Nº05/2023) elaborada por seu departamento jurídico, destacou outras ameaças aos indígenas brasileiros presentes no PL 490. Segundo o documento, o projeto de lei propõe a liberação de construções de rodovias, hidrelétricas e outras obras em terras indígenas sem a consulta livre, prévia e informada das comunidades afetadas, violando tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Além disso, o PL autoriza qualquer pessoa a questionar os procedimentos de demarcação em todas as fases do processo, inclusive os territórios já homologados. Ele também flexibiliza a política de não contato com os povos indígenas em situação de isolamento voluntário e reformula conceitos constitucionais importantes, como a tradicionalidade da ocupação, o direito originário e o usufruto exclusivo.
"O Projeto de Lei 490/07 é inconstitucional, pois viola os direitos fundamentais dos povos indígenas previstos na Constituição. Além disso, o direito à terra é originário. Sem território, não há saúde e educação para os povos originários. Isso compromete diretamente os serviços ambientais prestados pelos indígenas, que contribuem para a conservação das vegetações nativas e têm impacto no regime de chuvas, por exemplo", afirmou Maurício Terena, advogado indígena e coordenador do departamento jurídico da Apib.
O julgamento do marco temporal no STF está paralisado há quase dois anos. O caso em análise é uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) que envolve a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá como diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.
Em 2021, o julgamento foi suspenso após um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. A suspensão ocorreu depois dos votos favoráveis à tese anti-indígena do ministro Nunes Marques e do ministro relator, Luiz Edson Fachin, que defendeu os direitos indígenas.
Diante desses acontecimentos, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) está acompanhando de perto tanto a tramitação do PL 490 quanto o processo da tese
no Supremo Tribunal Federal. Como forma de resistência e protesto, os povos indígenas realizarão acampamentos em Brasília e mobilizações nas cinco regiões do país entre os dias 5 e 8 de junho.
"Vamos acampar novamente em Brasília e lutar pelos direitos indígenas, mas essa luta pode e deve ocorrer em qualquer território. Parentes, ergam suas faixas e seus maracás, e vamos lutar juntos!", convocou Val Eloy, coordenadora executiva da Apib pelo Conselho Terena.
A mobilização dos povos indígenas busca chamar a atenção da sociedade brasileira e internacional para a importância da demarcação de terras indígenas, da proteção dos direitos indígenas e da preservação dos biomas. A luta contra o PL 490 e a defesa do reconhecimento e respeito aos povos originários se intensificam diante dos retrocessos propostos no Congresso Nacional.
Com a aprovação do requerimento de urgência do PL 490/07 pela Câmara dos Deputados e a aprovação da Medida Provisória 1154 pela comissão mista, as comunidades indígenas enfrentam ameaças iminentes aos seus territórios, sua cultura e sua sobrevivência. Ainda há desafios a serem enfrentados, pois essas medidas precisam ser votadas no plenário da Câmara e no Senado.
Neste momento crítico, os olhos se voltam para o Supremo Tribunal Federal, onde o julgamento do marco temporal é aguardado com grande expectativa. A decisão tomada pelos ministros terá implicações significativas para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país.
A Apib e os povos indígenas continuam a resistir e a lutar pelos seus direitos, mobilizando-se em defesa de suas terras, suas culturas e seus modos de vida. A batalha pela garantia dos direitos indígenas e pela proteção dos biomas brasileiros está longe de acabar, e a união e solidariedade de todos são fundamentais nessa luta.
Fonte(s): Texto de Wesley Neves para CityFM.com.br com informações de release da APIB Comunicação
Comentários